Publicado em: 17 nov 2013

Uma onda do bem: projeto social transforma meninos de rua em surfistas de destaque

20131117145108_610x610A cidade de Cabedelo, com quase 60 mil habitantes, fica na região metropolitana de João Pessoa, na Paraíba. Famoso por suas belas paisagens e por pontos turísticos como a praia do Jacaré e a Fortaleza de Santa Catarina, o município é o palco de cenas que nos fazem refletir sobre o modo como o Brasil vem cuidando de seus filhos. Crianças e adolescentes são vítimas do descaso do poder público e do abandono da família.

Basta ficar alguns minutos na principal avenida de Intermares, bairro nobre da cidade, para flagrar um grupo de crianças chegando. Todos os dias ele pede dinheiro em frente a uma padaria. Quem circula pelo local parece não se importar com o que acontece. A imagem é vista diariamente e já se tornou algo comum a quem mora no lugar.

Nas mãos de um menino de apenas 11 anos, duas moedas são exibidas. Com o pouco dinheiro, ele garante o jantar da família. Em casa, três pessoas esperam pelos dois pães que ele vai conseguir comprar com o valor que conseguiu juntar. O garoto, que mora na periferia da cidade, tem a responsabilidade de alimentar os parentes. “É de dia, de noite e de tarde. Tem que conseguir comida pra levar pra casa. E quando eu peço dinheiro e o povo não dá, eu fico triste”, lamentou o menino.

São muitas crianças pedindo e apesar da cena já fazer parte do cotidiano de quem frequenta a padaria, ainda há quem se revolte com o que acontece no local. Silvana Sales mora no bairro há mais de dez anos. Segundo a professora, essa é a realidade em Intermares há muito tempo: “Eu fico até preocupada e sei que uma criança já faleceu por causa das drogas lá na periferia. A gente vê que o próprio município não tem estrutura para mudar isso”. E se essa é a realidade há tantos anos, a pergunta que fica é: por que esses meninos e meninas ainda continuam nas ruas?

De acordo com a Secretaria de Ação Social de Cabedelo, na cidade existem quase duzentas e oitenta crianças que, apesar de terem família, vivem em situação de risco. Para deter isso, dois projetos sociais envolvendo arte e cultura são executados. “Essas crianças que ficam na padaria não são moradoras de rua. Elas têm família. A nossa proposta é fazer a busca delas e colocá-las nesses programas sociais que nós temos”, explicou a secretária de Ação Social do município, Vanda Lucena.

Está escrito no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que todo menor de idade tem direitos garantidos, como educação, saúde, dignidade e convivência familiar. Mas é só abrir os olhos para ver que das palavras para a realidade existe um longo caminho a ser percorrido. Nas ruas da cidade, o que se vê são pessoas ainda no início da vida, mas que já conhecem a dor da omissão.

O ECA foi instituído em 1990. Vinte e três anos depois, reprimir a discriminação, exploração ou violência contra crianças e adolescentes ainda é um desafio. Apesar dessas duas décadas do estatuto, não é difícil encontrar depoimentos que chocam e histórias que emocionam. São crianças e adolescentes que carregam nas costas o peso de colocar o alimento na mesa de casa. Mas é olhando para a praia que elas encontram uma saída para todos os problemas.

Quando o Sol aparece, surge o cenário perfeito para a transformação na vida desses meninos: o mar. E se eles estão na água, em cima da prancha, na areia o comerciante Valdi Silva observa as crianças fazerem um espetáculo no surf. Ele é dono de um bar onde o projeto Surf Comunitário é desenvolvido há nove anos. Com essa iniciativa, já tirou das ruas e das drogas mais de cinquenta crianças. E ele fica animado com o que vê: “Mesmo com todas as dificuldades que a gente enfrentou pra fazer esse projeto funcionar, a gente mostra que quando se quer fazer uma coisa dar certo, consegue”. O Surf Comunitário, que funciona no Bar do Surfista, além de fornecer alimento aos pequenos atletas, ainda dá aulas para alfabetizá-los.

Quem chegou ainda pequeno ao projeto foi Fábio Gomes. Na época, tinha apenas nove anos. Hoje, aos dezoito, ele é a prova viva de como o esporte é capaz de transformar as pessoas e mudar seu destino. Em 2012, o jovem foi detido por assalto a ônibus. Depois de ter passado dois meses cumprindo medida sócio educativa, ele tenta esquecer o que passou e escrever uma nova história. “Depois que eu conheci o surf minha vida mudou totalmente. Isso porque eu não sabia ler nem escrever. Hoje em dia, através do esporte eu consegui aprender a ler e escrever. Eu vivia na porta da padaria pedindo dinheiro e hoje já tenho um emprego”, comemorou o rapaz.

Iguais a ele, muitas outras crianças chegaram ao projeto sem ser alfabetizadas. Felipe era uma delas. Hoje, com onze anos de idade, ele já é o vice campeão paraibano de surf. “Eu também pedia. Mas hoje não peço mais não. Venho pro treino às sete da manhã e fico até a hora de ir pra escola. Quando termina a aula, eu volto pra surfar”, falou o garoto que se destaca no grupo por ser um aluno e surfista dedicado.

De menino de rua a vencedor. Exatamente uma década depois de ter começado a surfar, José Francisco, de dezenove anos, já acumula vários títulos. “Fininho”, como é conhecido, está entre os melhores do Brasil no esporte e diz: “Eu estou muito feliz porque hoje eu já estou estudando o nono ano. E, se Deus quiser, quando acabar os estudos vou ter um bom emprego fixo”. O atleta dormia debaixo da marquise da padaria, hoje mora no Rio de Janeiro, onde vive do surf.

Esses pequenos atletas são a prova de que para mudar uma vida basta querer. Hoje, mesmo com o projeto tendo uma estrutura menor, o que mantém essas crianças de pé em cima da prancha é a esperança de um futuro melhor.

 

Ítalo Di Lucena




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