Servente de pedreiro desempregado é eleito vereador mais votado
A série de reportagens apresentando fenômenos eleitorais nas eleições municipais deste ano na região Nordeste realizada pelo blog do Magno Martins, de Pernambuco, em parceria com o Portal, mostra, nesta quarta-feira (09), Lula Preto (PSB), que é pobre, preto, analfabeto e servente quando aparece trabalho, 58 anos, e conseguiu sair das urnas como o vereador mais votado da cidade de Cachoeirinha, a 198 km do Recife, com 1.662 votos.
Confira no vídeo abaixo um pouco este exemplo de superação na vida.
CACHOEIRINHA – De Cachoeirinha, a 198 km do Recife, já no Agreste Meridional, terra dos arreios em couro e aço, artesanalmente confeccionados para o uso de animais em montaria, famosa pela produção de queijos e carne de sol, as eleições municipais revelaram que de uma simples brincadeira foi possível sair das urnas o vereador mais votado do município: Luis Francisco da Silva, o Lula Preto (PSB), 58 anos, que ganhou a simpatia de 1.662 (13,7% dos votos válidos) eleitores fazendo versos, cantando mourão voltado e imitando Tiririca, de quem é fã de carteirinha.
“Vamos lá minha gente/Que a hora já chegou/Vote em Lula Preto/ Que é o seu vereador/Vamos votar minha gente/Vamos ver como é que fica/Do jeito que estou vendo/ Vai ser que nem o Tiririca”. Era assim, com versos associando sua imagem ao do palhaço que se elegeu e se reelegeu deputado federal por São Paulo, que Lula Preto conquistou fãs e eleitores em comícios e caminhadas durante a campanha eleitoral deste ano.
De sua zona de influência, a Vila de São Sebastião, área mais pobre da cidade, saiu grande parte dos seus votos. É lá, onde moram cerca de duas mil famílias, em casas simples de alvenaria, sem calçamento e carente de serviços públicos, que é possível compreender também o fenômeno Lula Preto. “Sai candidato por uma simples brincadeira. Uma amiga soprou no meu ouvido para eu tentar uma vaga na Câmara. Fui procurar o candidato a prefeito e ele me disse que apoiava. Topei a parada e ganhei. Não sei como, mas ganhei”, lembra.
Ninguém acreditava no seu potencial eleitoral, nem mesmo a família, uma prole de oito filhos, 13 netos e mais dois agregados. “Para mim, isso ainda é um sonho que estamos vivendo”, desabafa a esposa Maria Aparecida Silva. Segundo ela, a descrença se dava pela falta de recursos, estrutura e apoio dos poderosos que fazem da política um negócio lucrativo. “Nós somos muito pobres. No primeiro comício, Lula não tinha sequer um sapato para calçar”, acrescenta.
Cida, como é tratada pelo marido, conta que sempre levou uma vida sacrificada. “Quando as coisas apertavam a gente pedia esmola e até hoje a gente se mantém por causa da bolsa”, diz, referindo-se ao programa Bolsa Família, de forte distribuição de renda nos grotões nordestinos e nas comunidades carentes de todo o País. Lula Preto batalha pelo pão de cada dia desde garoto, aos 12 anos, quando foi praticamente adotado pela família de um fazendeiro, em São Caetano.
Estudou até a 4ª série, passou dez anos trabalhando em um curtume. “Lá, eu fazia de tudo. Arrancava mato e toco, carregava couro nas costas e cuidava da roça do patrão”, revela o agora parlamentar, que nasceu na Vila Espírito Santo, em São Bento do Una. Depois de deixar a vida no mato, Lula virou servente de pedreiro, mas sem vínculos trabalhistas, vivendo praticamente de bicos. “Não é todo dia que aparece serviços. Desde a eleição que estou parado, vivendo das graças de Deus”, afirmou.
Com três quartos e sala, a casa em que mora tem água encanada e energia, mas só recentemente conseguiu construir o banheiro. Em 2006, durante a cheia do Rio Una, que ficou marcada na memória da comunidade de São Sebastião, foi obrigado a abandonar o casebre por ter sido condenado. Anos depois, voltou para o mesmo terreno e reconstruiu a sua moradia com doações de amigos e do comércio da cidade.
Voto de protesto ou de simpatia?
De perfil fora dos padrões tradicionais da política, o que fez de Lula Preto o vereador mais votado de sua terra? Para alguns, uma manifestação de protesto, como é o caso de Sebastião José Florêncio, 64 anos, que mora a 500 metros de Lula Preto, na já chamada Vila Noêmia. “Eu estava morando em São Paulo e não o conheço muito bem, mas as pessoas daqui pediram para ajudar ele. É melhor votar num pobre como nós do que num rico”, disse.
Para outros, o voto foi sacramentado pela simpatia e o grande carisma de Lula, que por onde passava em campanha recitava versos de improviso, fazendo graça para atrair mais seguidores. “Sua campanha não tinha nem uma bandeira, mas ele é muito querido”, admite o vereador Cicero de Cabanas (DEM), reeleito para o terceiro mandato.
Para o prefeito eleito Ivaldo Almeida (PSB), que desbancou o adversário com 78% dos votos válidos, obtendo 7.852 votos, o servente de pedreiro foi eleito por ser muito popular. “Ele é muito humano, um cidadão que cumpre seus compromissos e é muito inteligente, apesar de não ter concluído os estudos”, afirmou.
Lula Preto já tem alguns projetos na cabeça. “Quero trazer uma pracinha e uma creche para a nossa comunidade. Quero deixar nossa vila organizada. Meu coração está agoniado para atender os anseios do nosso povo”, assinalou. Sem renda fixa, vivendo ainda de empreitadas em obras que aparecem esporadicamente, o agora vereador eleito não tem noção de quanto será seu subsídio (salário de vereador).
“Eu não sei não, mas me disseram que chega a R$ 5 mil”, diz, adiantando que com os primeiros pagamentos pretende ajeitar a casa e comprar um carro. “O que sobrar vai ser para ajudar meu povo pobre daqui, não quero os benefícios só para mim”, ressalta. Na Câmara, Lula Preto será representante legitimo de um povo que começou a se desenvolver após a dissolução da República dos Palmares. O distrito de Cachoeirinha foi criado no dia 12 de maio de 1874, pertencente ao município de São Bento do Una.
A população é formada, majoritariamente, de descendentes de portugueses, muitos de origem judaica sefardita (famílias Carneiro, Bezerra, Almeida e Abreu), índios e africanos, gerando uma rica e complexa miscelânea cultural. O município é famoso por suas festas típicas, principalmente a Festa do Padroeiro (Santo Antônio), os Festejos Juninos e a Exposição do Couro e do Aço.
MaisPB
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