Publicado em: 27 nov 2013

Por: Marcos Souto Maior – CIRCO DO BARULHO!

Perto de meu apartamento um grande terreno baldio, aguarda a supervalorização urbana, enquanto vira local de instalação de circos e parques de diversão. Nada demais se não fosse de tirar a paciência de quem fica obrigado a ouvir possantes caixas de som despejando músicas eletrônicas e um locutor rouco. Tudo em meio às casas e edifícios de famílias pacatas. E ninguém para garantir o direito dos usuários ou, proprietários dos imóveis, enquanto os PRCONs e as respectivas Prefeituras Municipais lhes competem legislar.

Hoje, os circos ficaram sem o élan de poder apresentar animais domesticados, como elefantes, leões, tigres, cães e até cobras enormes que se enrolavam no corpo belo de uma artista. Quem não se lembra do macaco desafiar seu domador e jogar um balde de água?

Lembro bem, do amigo apelidado de “Rato Magro” ter desaparecido de casa e, depois de muita procura, chegaram à conclusão de que se apaixonara por uma artista circense e, resolvera integrar a trupe de vida errante. Antes de fugir de casa surrupiou dois talonários de cheques do seu pai o que possibilitou ao gerente do banco local indicar o seu paradeiro. Assinatura idêntica a do pai e valores sacados foram altos, e na conta de empresa de ônibus!

Dois dos cinco filhos foram escalados para irem busca do ardiloso irmão. Chegaram à cidade e logo se esconderam num hotel até o início do espetáculo. Precisamente às 20h45min, os irmãos, de óculos escuros, um de chapéu e outro de boné, compraram as entradas e sentaram nas cadeiras da primeira fila.

Iluminação apagada e o estrondo de apito de navio, a bandinha começou estridentemente a tocar marchinhas tradicionais. No desfile, à frente os palhaços e motociclistas, depois os trapezistas, seguem os domadores e, finalmente, uma bela galega equilibrista, sem soutien, e balançando os peitos na companhia de Rato Magro, com visível ciúme. Vestido a caráter, RM fantasiou-se de gladiador romano, sem camisa, mas com direito a capacete, escudo redondo, tridente, cinto metálico que sustentava uma saia longa na frente e trás e nas laterais repuxadas, caneleira e uma meia bota preta. Um presépio fora de época!

Depois do desfile inicial, chegou à vez da galega equilibrista ser apresentada: “Respeitado público, e agora apresentamos a equilibrista internacional Anita Del Fuego!” diz o animador. Segue a ousada loura dançando que só cobra em terra quente, até o local do arame armado, levantando a perna direita até altura do joelho, momento que Rato Magro se ajoelha segura e levanta os pés da amada artista circense até se eleva-la ao fio de aço esticado.

Fim do espetáculo, os dois irmãos se dirige ao pequeno trailer, com cama de casal, uma TV, armários de roupas e fantasias, geladeira, banheiro individual com pia, etc. Bateram com força na porta única, e a equilibrista fala espanhol para despistar: “buenas noches, lo que hacem de este momento de la noche em el Circo Mundial?” Ai o filho mais velho esbravejou: “circo mundial porra nenhuma, vai descendo Rato Magro” e entre tapas e ponta pés tomaram um resto de talonário bancário, que sobrou da farra, e levaram tudo para dentro do carro, em alta velocidade e, sem poder se despedir da loura oxigenada.

Durante a viagem de volta, o herói pediu desculpa aos irmãos e ainda teve a petulância de dizer: “vocês não sabem o que é um Circo arretado como o meu que terminaria sendo dono com papai!” Aí levou outras tapas e ficou de sangue quente para dormir, o sono dos palhaços.

(*) Advogado e desembargador aposentado




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