Publicado em: 24 out 2016

Padre que mandou interromper aborto legal é condenado pelo STJ

O padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Goiás, foi condenado pelo Superior Tribunal de Justiça a indenizar o casal Tatielle Gomes da Silva e José Ricardo Dias Lomeu por haver impedido, em 2005, a antecipação de parto de um feto com múltiplas deformações. (*)

Cruz é presidente do movimento Pró-Vida de Anápolis (GO).

Ele propôs habeas corpus e obteve liminar suspendendo procedimento médico no terceiro dia de interrupção da gravidez, apesar de Tatielle haver obtido autorização judicial para interromper a gestação de feto sem viabilidade de vida extrauterina.

Ele deverá indenizar o casal no valor de R$ 60 mil –corrigidos monetariamente e com a incidência de juros de mora a partir do dia que Tatielle deixou o hospital.

Ao julgar recurso especial interposto pelo casal, a relatora, ministra Nancy Andrighi, entendeu que Cruz violou a intimidade do casal e agiu temerariamente para “fazer prevalecer sua posição particular”. Segundo Andrighi, o padre “agrediu-lhes a honra” ao denominar de assassinato a atitude tomada pelo casal sob os auspícios do Estado.

Ainda no entendimento da relatora, “por incúria ou perfídia”, o padre impôs ao casal “estigma emocional que os acompanhará perenemente”.

Seu voto foi acompanhado por unanimidade. Da decisão, cabe apenas embargos de declaração [recursos para esclarecer dúvidas, omissões ou contradição, que não se prestam a invalidar ou reformar uma decisão].

Nos autos, o padre alegou que “as autorizações para abortamento ferem o direito básico à vida existente desde o momento primeiro da concepção” e que “agiu na mais estrita defesa da vida, da vida do pobre bebê, que estava em vias de ser assassinado”.

Sustentou ainda que “a decisão não foi de Luiz Carlos Lodi da Cruz, mas do Poder Judiciário”. Essa tese não foi acolhida por Andrighi.

“Qualquer tentativa de disrupção do nexo causal, sob a alegação de que o recorrido apenas provocou o Estado-Juiz, e foi, efetivamente este que determinou a interrupção da gestação, não merece guarida. A busca do Poder Judiciário por uma tutela de urgência traz, para aquele que a maneja, o ônus da responsabilidade pelos danos que porventura a concessão do pleito venha a produzir, mormente quando ocorre hipótese de abuso de direito”, decidiu a relatora.

TJ-GO julgou ação improcedente

Em setembro de 2013, a 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO), havia mantido sentença de primeiro grau que julgara improcedente ação de indenização por danos morais proposta por Tatielle.

Em decisão unânime, aquela Câmara seguiu o voto do relator, desembargador Kisleu Dias Maciel Filho: “Se de um lado, os apelantes sofreram dias de dores e angústia ao terem que aguardar o parto natural do feto que esperavam, em razão da suspensão do alvará judicial que autorizava a sua antecipação; por outro lado, há o interesse do apelado, como cidadão, de utilizar-se dos meios legais ao seu alcance para ver tutelado o direito à vida, pois as hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia em desfavor da parte, devendo prevalecer o princípio da reserva legal”.

O casal alegou que o padre tinha a obrigação de compensar o dano moral pelo uso inconsequente de seu direito de ação, tanto por ter abusado desse direito, tentando fazer prevalecer seu posicionamento religioso, quanto pela má-fé, que se caracterizaria pela omissão, no habeas corpus impetrado, que havia inviabilidade de vida do feto, extrauterina.

Conforme relata o Tribunal de Justiça de Goiás, Tatielle sustentou que, em 6 de outubro de 2005, obteve na 1ª Vara Criminal de Goiânia, alvará judicial para antecipação de seu primeiro parto, pois o feto era portador de múltiplas deformações [Síndrome de Body Stalk].

“O cordão umbilical era muito curto e a placenta havia ficado próxima de sua parede abdominal, que não se fechou, deixando as vísceras expostas”, afirmou.

Segundo ela, iniciados os procedimentos para a indução do parto, inclusive já com medicação para a dilatação do colo do útero, recebeu a notícia, juntamente com os médicos que a assistiam, de que o procedimento teria de ser suspenso em razão de liminar proferida pelo TJ-GO, no habeas corpus proposto pelo padre.

“Contornos trágicos”

Em seu voto, Nancy Andrighi registra que “o sofrimento do casal –-e não canso de repetir, principalmente o da gestante-– ganhou contornos trágicos com a liminar conseguida pelo recorrido [Cruz], que obrigou a equipe médica a interromper o uso da medicação, quando já havia início de dilatação”.

“Mais 8 dias se passaram para que a medicação interrompida fosse eficaz a ponto de induzir o organismo da recorrente a expulsar o feto, momento em que voltou ao hospital – mas nessa semana, completamente desassistida, sentiu, desnecessariamente, as dores do longo processo de adaptação do seu organismo para que levasse a cabo o processo iniciado no hospital, período em que foi amparada, exclusivamente pelo seu esposo.”

Ainda segundo a relatora, foi intenso o dano moral “suportado, tanto pela recorrente [Tatielle] quanto pelo recorrente [José Ricardo], que a tudo acompanhou, inerme, e ao final, ainda teve que providenciar o registro de nascimento/óbito e o enterro da criança, que como previsto, veio a óbito logo após o nascimento”.

Uol



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