Os aliados dos EUA estão realmente chocados com a espionagem?
A chanceler alemã Angela Merkel disse estar decepcionada com vigilância americana
Se a Agência de Segurança Nacional americana (NSA, na sigla em inglês) realmente grampeou o celular de Angela Merkel, como os alemães acreditam, os americanos terão quebrado uma regra fundamental da espionagem – cortesia do ex-funcionário da inteligência fugitivo Edward Snowden.
Em termos simples, eles foram pegos. Nos últimos dias, uma série de reportagens indicaram o alcance das atividades de vigilância americanas – na França, na Alemanha e na Itália. Governos europeus aliados dos Estados Unidos estão um tanto irritados e a administração Obama está um tanto envergonhada.
Eu digo “um tanto” porque, pelo que indicam os comentários desde o início destas revelações, há uma espécie de jogo de sombras acontecendo aqui.
É um pouco como naquele momento do filme clássicoCasablanca, quando o chefe de polícia demonstra surpresa ao saber que acontecem jogos de azar em um estabelecimento que ele sabe muito bem ser um cassino – momentos antes de que um funcionário o entregue o dinheiro que ele também ganhou apostando.
Quase todos os governos realizam operações de vigilância e espionagem contra outros países cujas atividades são importantes para eles.
Alguns são amigos; alguns são inimigos; alguns podem só estar em locais interessantes ou ter laços com países que são de interesse.
‘Coisas acontecem’
O que as diferencia são o alcance e a escala destas operações. Isso depende da motivação e dos recursos disponíveis.
Não surpreende que os Estados Unidos, com seu sentido de missão global, sua constelação de agências de segurança diferentes e suas habilidades técnicas tenha um alcance maior que a maioria.
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Os governos podem até expressar surpresa quando tais atividades aparecem à luz do dia. Às vezes, isso pode ter sérias consequências.
Israel e os Estados Unidos são aliados próximos, mas cada um deles tenta conseguir vantagens coletando informações sobre o outro.
Mas quando, em 1985, um analista civil da Marinha americana, Jonathan Pollard, foi revelado como um espião israelense – algo que Israel demorou a reconhecer – ele foi julgado e permanece na prisão.
Por algum tempo, os laços de inteligência entre os países foram fortemente ameaçados.
Em outras situações, a vigilância pode ser desmascarada, mas nenhum culpado é identificado.
Em maio de 2012, muitas “portas dos fundos” foram encontradas em programas de computador nos escritórios mais recônditos do Elysee Palace – a residência do presidente francês.
Os franceses suspeitaram fortemente da Agência de Segurança Nacional, apesar de os americanos negarem qualquer responsabilidade.
Isso impediu que o presidente François Hollande continuasse ao lado dos americanos apoiando uma ação militar na Síria?
Não – assim como Israel e os Estados Unidos ultrapassaram o caso Pollard e mantêm laços militares e de segurança.
Então “coisas acontecem”, como disse certa vez o ex-secretário de Defesa americano Donald Rumsfeld.
Quando tais episódios são revelados, a parte prejudicada – neste caso os governos francês, alemão, brasileiro e mexicano (e a lista vai crescer) fica incomodada.
Eles protestaram. Eles estão dizendo todas as coisas que seus eleitorados esperam que eles digam nestas circunstâncias.
A Alemanha e a França querem ir mais além e arrancar algum tipo de documento de Washington, certificando que irá “comportar-se” no futuro.
Mas além de um ato público de contrição, tal documento provavelmente não valeria nem o papel em que estiver escrito.
Logo mais os espiões voltaram ao trabalho como antes. Mas será?
Por outro lado, apesar da possibilidade de que parte da surpresa sobre o alcance da vigilância americana seja falsa, nem tudo é atuação.
Há preocupações reais e seria errado dizer que toda condenação a Washington é hipérbole. Coisas importantes estão acontecendo no mundo e duas delas são de importância central aqui.
Uma delas é que esta é a era do “big data” (coleta de dados complexos e em larga escala), da nuvem e da nossa crescente dependência das máquinas.
Novas potências
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Ao lado disto está o fato de que a habilidade técnica para monitorar, armazenar e separar informações cresce exponencialmente.
Isso levanta todo tipo de preocupações reais sobre a privacidade, a extensão das ações do Estado e assim por diante, questões que foram jogadas sob os holofotes pelas revelações de Edward Snowden.
O “big data” também nos expõe potencialmente a um risco maior de ciberataques.
Então a questão sobre onde devem ser os limites da vigilância é quase sempre problemática. De fato, até agora a discussão só se concentrou em vigilância e contraterrorismo
Mas há debates igualmente importantes no campo da defesa contra ciberataques, onde alguns dizem que bancos de dados também grandes – a maioria privados, mas que transitam na esfera pública – podem precisar ser analisados.
A outra grande mudança é na arena internacional. Novas potências econômicas estão surgindo.
Os Estados Unidos continuam sendo um dos principais atores, mas em termos absolutos, são menos dominantes.
Por isso, o país precisará agir mais com seus aliados para conseguir as coisas, mas ação conjunta requer confiança.
A liderança americana também requer uma imagem positiva. Hoje, o “soft power” americano – sua força de exemplo – importa tanto quanto sua força militar.
E esta imagem foi prejudicada pelas revelações de espionagem.
Aqueles que são céticos a respeito do poder americano ganharam mais razões para manter essa visão.
E os que comemoraram o desejo do presidente Barack Obama de afastar a política externa americana da tortura e de Guantánamo – e torná-la mais baseada nos valores americanos – ficarão frustrados.
BBC Brasil
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