Dilma tem até esta quarta para explicar ‘pedaladas fiscais’; entenda
A presidente Dilma Rousseff tem até esta quarta-feira (22) para explicar supostas irregularidades nas contas do governo de 2014. No mês passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu 30 dias para o governo preparar sua defesa, entre outros pontos, sobre as “pedaladas fiscais” – como ficaram conhecidos os atrasos nos repasses do Tesouro Nacional a bancos públicos para pagar benefícios sociais e previdenciários.
Agora, os ministros do TCU querem saber se o governo usou as “pedaladas” como manobra para aliviar, momentaneamente, as contas públicas, que em 2014 tiveram o pior resultado da história. O TCU entendeu que esses atrasos são, na verdade, operações de crédito entre o governo e os bancos públicos, o que é proibido por lei.
Segundo o colunista do G1 Gerson Camarotti, Dilma teria escalado uma “tropa de choque”para fazer a defesa das pedaladas, que inclui os ministros Luís Inácio Adams (AGU), Nelson Barbosa (Planejamento), Alexandre Tombini (Banco Central), além dos presidentes da Caixa, Miriam Belchior, do BNDES, Luciano Coutinho, e do Banco do Brasil, Alexandre Abreu.
O tribunal julga as contas públicas todos os anos, como manda a Constituição. Em um parecer, os ministros dizem se recomendam ou não ao Congresso a aprovação do balanço do ano anterior. O TCU nunca votou pela rejeição das contas. Mas em 2014, os ministros questionaram pelo menos 13 pontos – entre eles, as “pedaladas fiscais” – e pediram explicações do governo.
Há dois processos em andamento no TCU. Um deles é para saber se houve irregularidades na gestão dos recursos públicos, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal. Outro corre paralelamente só para questionar a existência das “pedaladas fiscais”. Os processos são independentes e serão analisados de forma separada.
Foi o nome dado a práticas do governo para supostamente cumprir suas metas fiscais. OTesouro Nacional atrasou repasses para bancos públicos e privados, entre eles benefícios sociais e previdenciários como o Bolsa Família, o abono salarial e seguro-desemprego. Os beneficiários receberam tudo em dia, porque os bancos fizeram o pagamento com recursos próprios.
Na prática, é como se estes bancos tivessem financiado os gastos do governo, segundo o processo no TCU. Com isso, o governo registrou, por algum tempo, um alívio no seu orçamento. Mas a sua dívida com os bancos cresceu. De acordo com o TCU, cerca de R$ 40 bilhões estiveram envolvidos nessas manobras entre 2012 e 2014.
O TCU diz que as “pedaladas” serviram para aumentar o superávit primário (a economia feita para pagar parte dos juros da dívida pública) ou impedir um déficit primário maior – quando as despesas do governo são maiores que as receitas, sem contar os juros.
Em 2014, as contas públicas tiveram resultado ruim devido ao aumento de gastos do governo, o socorro ao setor energético e à queda real da arrecadação – resultado da economia mais fraca e das desonerações de tributos feitas nos últimos anos. Mesmo com as manobras, o governo não conseguiu cumprir as metas fiscais do ano passado.
As “pedaladas” ainda não foram julgadas, mas o TCU avaliou, de forma preliminar, que os atrasos de recursos para os bancos apresentam “nítidas características de operação de crédito” entre a União e instituições financeiras oficiais.
É como se o governo tivesse tomado empréstimos de bancos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para o TCU, trata-se de uma operação de crédito porque os bancos pagaram os benefícios aos destinatários, mas o governo não pagou tudo ou fez os repasses com atraso. Em abril, o relator do processo no TCU, ministro José Múcio, comparou a prática da equipe econômica ao uso irregular do cheque especial. Ele disse que “não há dúvida” de que houve descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, mas apontou que não há indícios de corrupção.
Para o relator do processo sobre as contas de 2014, ministro Augusto Nardes, as informações prestadas pelo governo não estavam “em condições de serem apreciadas” devido a “indícios de irregularidades” e de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Alegando “respeito ao princípio constitucional da ampla defesa”, Nardes propôs conceder os 30 dias para que a presidente enviasse explicações adicionais sobre os problemas apontados. O plenário do tribunal concordou.
O governo, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), do Ministério do Planejamento e do Banco Central, reconheceu que os atrasos nos repasses aconteceram nos últimos anos, mas acrescentou que trata-se de uma “prática antiga”, registrada também no governo Fernando Henrique Cardoso, e defendeu que as “pedaladas fiscais” não são operações de crédito.
O governo argumenta que as operações (que seriam irregulares se fossem empréstimos de bancos públicos para a União) têm origem em contratos de prestação de serviços, como se houvesse atraso de um aluguel, por exemplo. Em maio, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, admitiu que as “pedaladas” atingiram “valores muito excessivos, o que não é prática usual e recomendada”. Mas acrescentou que o procedimento não é ilegal, pois, em sua visão, não caracteriza empréstimo.
O procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que representa o Ministério Público junto ao TCU, sugeriu aos ministros querejeitem as contas do governo. Oliveira listou uma série de irregularidades fiscais e orçamentárias (veja a lista abaixo) que, segundo ele, foram cometidas pelo governo. O procurador disse que as “pedaladas” e outras irregularidades foram usadas para beneficiar a presidente durante as eleições de 2014.
No caso das contas públicas, a presidenteDilma Rousseff deve dar explicações. Sobre as “pedaladas fiscais”, o tribunal cobrou explicação de 17 gestores do governo federal, entre eles o presidente do Banco Central,Alexandre Tombini, o ex-ministro da Fazenda,Guido Mantega, os ministros do Planejamento,Nelson Barbosa, e do Trabalho, Manoel Dias, o ex-secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, e o ex-presidente do Banco do Brasil e presidente da Petrobras,Aldemir Bendine.
As consequências são exclusivamente políticas e não têm efeito prático sobre as contas públicas. O TCU não tem poder para julgar as contas do governo. Ele só elabora e vota um parecer que sugere ou não a aprovação, que pode ter ressalvas. Esse parecer, então, é encaminhado ao Congressoque, aí sim, fará o julgamento político da atuação do governo.
Se o governo tiver mesmo descumprido a Lei de Responsabilidade Fiscal – que o obriga a usar o dinheiro público com equilíbrio, pode haver três consequências, explica o advogado especializado em contas públicas, Maxwell Ladir Vieira.
A primeira é política e implica na responsabilização da presidente da República e de membros do Executivo. A segunda é administrativa, podendo gerar restrições na transferência de recursos públicos. E a terceira é penal, com punições que podem resultar até na perda de direitos políticos de membros do Executivo.
“Provavelmente o governo ficaria impedido de contratar algumas linhas de crédito de bancos de fomento como o BNDES e teria que se virar apenas com sua própria arrecadação para gerar receita”, diz o especialista em contas públicas. No primeiro semestre, a arrecadação federal caiu 2,87%, mesmo com o aumento de tributos no período.
Com G1
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