Publicado em: 17 fev 2015

Com 100 mil homicídios sem justiça, famílias assumem a apuração de crimes

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Com 100 mil inquéritos de casos de homicídio no Brasil há mais de cinco anos sem solução segundo dados do Dados do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), familiares de vítimas têm buscado, cada vez mais, a justiça pelas próprias mãos.

É o caso de Vanderlea Alves. Após quase dois anos sem nenhuma resposta sobre a morte do irmão Rodrigo Alves, de 36 anos, ela decidiu fazer um curso de detetive. Atualmente, tem a própria carteira de investigadora particular, oferecida pelo IUDEP (Instituto Universal dos Detetives Particulares).

O irmão morreu no dia 6 de outubro de 2012. O corpo foi encontrado em um matagal nas proximidades da casa onde ele morava em Embu-Guaçu, na Grande São Paulo. De acordo com a polícia, o laudo da morte aponta quadro compatível com enforcamento. Porém, Vanderlea não acredita nessa versão.

Ela conta que estava descontente com a investigação realizada pela delegacia e isso foi um dos motivos que a levaram a procurar o curso.

— Eu comecei a ver o descaso. Na delegacia, eu já sentia o clima pesado, o pessoal ficava com a cara feia para mim. Eu escutei coisas lá dentro que eu não gostei, do tipo: “Isso não vai dar em nada, se o laudo der causa indeterminada vai ser arquivado”.

Vanderlea chegou a descobrir junto à operadora de telefonia a relação dos números de telefone e a duração das ligações feitas por Rodrigo entre os dias 30 de setembro e 6 de outubro de 2012 e entregou a lista à polícia.

O empenho de Vanderlea em conduzir uma apuração paralela à oficial não é uma atitude isolada, como explica Sandra Domingues, fundadora-presidente da ONG “Justiça é o que se Busca”. O grupo acompanha atualmente mais de 400 casos de violência em todo o Brasil.

— Temos vários pais, mães e familiares que tiveram que ir atrás para descobrir o assassino do ente querido. Penso que isso aconteça pelo fato da impunidade não ser um assunto que preocupa a sociedade. Infelizmente, as pessoas pensam que a dor só bate na porta do vizinho.



Validade

A investigação privada não é reconhecida perante a lei, como explica o presidente da Comissão de Direito Penal da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), Alamiro Salvador.

— Temos juridicamente o reconhecimento exclusivamente pela legislação das investigações que são feitas pela autoridade policial.

O jurista Walter Maierovitch lembra que existem, ainda, outros dois tipos de investigação.

— Quem investiga a autoria do crime e a materialidade, por força de lei, é a polícia. Existem duas exceções a essa regra: o Ministério Público pode também investigar, conforme decidiu recentemente o STF (Supremo Tribunal Federal), e, por força da Constituição, existe a possibilidade da investigação parlamentar que é a CPI.

Para os especialistas, não há problema no auxílio das investigações por parte dos familiares das vítimas, mas eles não podem incorporar o dever de solucionar o crime. De acordo com Alamiro, é preciso evitar a criação de “um vigilantismo social”.

— A atividade de perseguir o crime, seja em uma delegacia de polícia, num primeiro momento, no judiciário, no segundo momento, isso é uma prerrogativa que compete ao poder público.

Além disso, Alamiro alerta que a própria investigação privada tem que ser feita dentro dos limites legais, ou seja, não se pode quebrar um sigilo telefônico sem autorização judicial.

— Se uma investigação privada violar o meu sigilo de correspondência, da mesma forma, a prova é inválida e o sujeito vai cometer um crime de violação de correspondência.

Já Maierovitch destaca que, para uma prova de investigação privada ser reconhecida como válida no processo, as duas partes — defesa e acusação — precisam ter acesso àquele conteúdo.

— A prova só é válida se ela for confirmada por decisão judicial. No processo, no regular processo com contraditório, ouvindo as partes. Não é o que está no inquérito policial que é válido. O juiz, por exemplo, não pode condenar com prova exclusiva no inquérito e não confirmado em juízo.

“Olho por olho”

Elio Deliberador, psicólogo e especialista em comportamento e violência da PUC-SP (Pontifica Universidade Católica de São Paulo),  enxerga nessas atitudes o retorno do “olho por olho” e do “dente por dente”, além do sentimento de vingança.

— É uma conduta mais emocional em função da dor das pessoas pela perda do ente querido, colocando a própria vida em risco […] O outro lado é que nossa polícia tem um grau de eficiência que deixa muito a desejar.




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