Cinco anos após chacina do Rangel na Paraíba, sobreviventes reconstroem família
O ofício de trabalhar como gesseiro escolhido por um jovem de 19 anos é mais do que a escolha de uma profissão, é uma reverência ao pai. Sobrevivente da ‘Chacina do Rangel’, como ficou conhecido o crime em que foram assassinadas cinco pessoas da mesma família, o jovem precisou de terapia e força de vontade para tentar amenizar as lembranças da noite do dia 9 de julho de 2009. Aquele dia, há exatos cinco anos, marcou definitivamente o endereço da antiga casa simples, localizada no bairro do Rangel, em João Pessoa, onde hoje existe uma quadra para recreação das crianças do bairro.
Após a conclusão das investigações, os autores do crime, Carlos José dos Santos e Edileuza Oliveira, foram condenados, em 2010, a 116 e 120 anos de prisão, respectivamente, e devem passar 30 anos presos, limite máximo de pena permitido pela legislação brasileira, sem direito a progressão ao regime semi-aberto por causa do total da pena a que foram condenados. Os dois eram vizinhos das vítimas e resolveram se vingar por conta de uma discussão entre crianças iniciada por causa de uma galinha.
existe uma quadra (Foto: Walter Paparazzo/G1)
Ao lado do irmão de 12 anos, o jovem de 19 anos reconstruiu o núcleo familiar com uma tia que os adotou. Na época ainda adolescente, o filho mais velho do casal percebeu quando a casa foi invadida por um casal vizinho e escondido debaixo da cama viu seu pai, Moisés Soares Filho, três irmãos e a mãe, Divanise Lima dos Santos, grávida de gêmeos, serem assassinados e partes dos corpos serem espalhadas.
Durante quase quatro anos, os dois sobreviventes passaram por acompanhamento psicológico na Clínica Escola do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê, no bairro de Água Fria, em João Pessoa. A tia conta que o mais velho chorava muito e a terapia ajudou a enfrentar a dor, o trauma e a saudade. “No começo foi muito difícil para eles. Aos poucos foram superando a tristeza. Só o mais velho que, às vezes, chora muito lembrando de tudo que ele viu”, disse a tia.
No entanto, segundo a assessoria do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê, o acompanhamento feito na Clínica-Escola de Psicologia foi suspenso por motivos pessoais dos pacientes. “A Clínica-Escola informou ainda que está à disposição para atendê-los, caso queiram retomar o acompanhamento psicológico”, frisou.
Com sessões semanais de terapia antes da interrupção do tratamento, os dois irmãos conseguiram o acompanhamento que não tiveram na rede pública. A família, que se enquadrava nos critérios de baixa renda estabelecidos pelo governo federal, era atendida pelo Centro de Referência da Assistência Social (Cras) do Rangel até a chacina, no entanto, após a tragédia, segundo a coordenadora atual da unidade, Gerlândia Carvalho, não houve acompanhamento.
Gerlândia Carvalho explicou que, devido o caso ter se tornado sigiloso, o poder público municipal perdeu o contato com as vítimas. “Eles recebiam Bolsa Família e eram acompanhados pelo Cras, mas com a mudança de bairro não houve acompanhamento. O que a gente soube foi através de relatos de vizinhos sobre os destinos dos filhos do casal morto”, frisou.
Rotina de estudos e trabalho
A tia dos órfãos da ‘Chacina do Rangel’ disse que atualmente eles se revezam em atividades cotidianas que envolvem esporte, estudo e trabalho. O mais jovem, de 12 anos, estuda em tempo integral o 5º ano do ensino fundamental, das 7h às 16h e, segundo a mãe adotiva, “se dá muito bem em matemática”, embora não fale ainda o que pretende fazer quando terminar o ensino médio.
marca dos golpes de facão no rosto
(Foto: Francisco França / G1)
No rosto, o adolescente de 12 anos traz as marcas dos golpes de facão que recebeu dos agressores e, na memória, a certeza de que é um dos sobreviventes da ‘Chacina do Rangel’. Segundo a tia, o adolescente não nutre desejo de vingança nem revolta. Nem o mais velho, atualmente com 19 anos, verbaliza interesse em revidar a violência que sua família sofreu. “Graças a Deus eles não falam em vingança. Eu conversei muito com eles. Eles estão seguindo a vida deles normal”, reforçou.
Tia por vínculo afetivo, por ser esposa do tio dos dois órfãos, e mãe por opção, ela conta que um dos momentos mais emocionantes ocorreu ainda no Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena, no primeiro contato com o adolescente após a tragédia, na época com 7 anos. “Ele ainda no hospital me perguntou se eu iria ser a mãe dele. Esse foi um momento marcante para mim. Ele me trata como mãe desde o primeiro dia e isso acontece até hoje”, frisou.
Relembre o caso
Na noite do dia 9 de julho de 2009, a residência do casal Moisés Soares Filho e Divanise Lima dos Santos, no bairro do Rangel, em João Pessoa, foi invadida por Carlos José dos Santos e Edileuza Oliveira, vizinhos que resolveram se vingar do casal por conta de uma discussão entre os filhos deles. A motivação da briga entre as crianças e, consequentemente da chacina, teria sido a disputa por uma galinha.
crime (Foto: Francisco França / G1)
De posse de um facão, Carlos desferiu golpes contra Moisés, inclusive, cortando a mão e jogando em cima do guarda-roupa. Em seguida, a vítima foi degolada. Após o assassinato de Moisés, segundo as conclusões do inquérito da Polícia Civil apontaram, Edileuza Oliveira pegou o facão do esposo e desferiu golpes que resultaram na morte de Divanise Lima dos Santos grávida de gêmeos, 35 anos; Rayssa dos Santos, 2 anos; Ray dos Santos, 4 anos; e Raquel dos Santos Soares, 10 anos. Outro filho do casal, 7 anos, foi levado para o Hospital de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena em estado grave com cortes no rosto, pescoço e nuca, mas conseguiu sobreviver.
Devido aos gritos, os vizinhos acionaram a Polícia Militar que ainda encontrou Divanise viva e contou a um dos policiais que Edileuza tinha matado as crianças e atingido ela com o facão.
Toda a chacina foi acompanhada por um adolescente, na época com 14 anos, que durante a invasão da casa se escondeu debaixo da cama e acompanhou o assassinato do pai, da mãe grávida e de mais dois irmãos, além da tentativa contra o irmão de sete anos. Presos, o casal Carlos José e Edileuza foi levado a julgamento nos dias 16 e 17 de setembro de 2010. Carlos foi condenado a 116 anos e Edileuza a prisão por 120 anos de reclusão,. Entretanto, eles devem passar 30 anos presos, limite máximo de pena permitido pela legislação brasileira, sem direito a progressão ao regime semi-aberto por causa do total da pena a que foram condenados.
À época do julgamento, o advogado criminalista Abraão Beltrão, explicou que, por ser um crime hediondo, a progressão de pena só começa quando se atinge 40% (2/5) da pena, cálculo que acontece sobre a pena total, ou seja, 48 anos, anos no caso de Edileusa, e 46 anos, no caso de Carlos José, superando o limite de 30 anos de pena.
G1PB
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