A arte dos objetos ao nosso redor
Muita gente acha que arte é só aquilo que fica em museus. Talvez essa definição valesse para a época de D. Pedro, quando para se retratar alguém era preciso recorrer a um pintor acadêmico. Mas desde o século XX a percepção do que é belo – artisticamente falando – mudou muito. Marcel Duchamp, em1917, exibiu um urinol e afirmou peremptoriamente que aquilo era arte – porque ele dizia que era.
Foi polêmico na época, e obrigou uma discussão que, na verdade, se estende até hoje. Afinal, o que é arte? Podem objetos prosaicos do cotidiano adquirir o valor estético necessário para acabarem em uma galeria ou museu, como queria Duchamp?
Sem dúvida o artista francês (depois naturalizado estadunidense) abriu uma caixa de pandora e, desde então, todo o tipo de experiências vanguardistas tem surgido, com mais ou menos sucesso. Algumas décadas depois, nos anos 1960, uma lata de sopa de tomate ganhou imensa notoriedade na obra de outro vanguardista, Andy Warhol. Expoente da pop art, Warhol apropriou-se de um utensilio comum e o ressignificou, através de uma intervenção artística. Hoje, é impossível apreciar uma sopa Campbell sem lembrar da obra.
Porém, às vezes a arte dos objetos surge de forma espontânea, e se eterniza pela relação que cria com seus usuários e/ou consumidores. Por exemplo, imagine o letreiro de algum lugar em Buenos Aires, capital argentina. Se você pensou em uma placa de madeira com letras de serifa rebuscada pintadas a mão e sombreadas… você não foi o único. A estética portenha é tão arraigada no imaginário, que é difícil desassociar uma coisa da outra.
As slot machines dos cassinos são outro exemplo de objetos que incorporaram uma estética própria, com elementos e tipologias que podem ser reconhecidos a quilômetros de distância. Combinados com as cores vivas e os sons estimulantes, despertam sensações de alegria e diversão. Qualquer um que já tenha colocado uma moedinha nessas máquinas sabe como é o visual do sino, do limão e das cerejinhas.
Em Paris, diversas estações de metrô têm o letreiro em estilo Art Nouveau. Não precisaria, mas a cidade faz questão de manter por dois motivos: primeiro, é uma homenagem a um período de efervescência cultural da capital francesa (justamente quando Duchamp estava por lá); segundo, é bonito. É arte. E por que não ter arte em algo banal como a placa do metrô?
Como a discussão sobre os limites da arte é infinita, é normal que a linha divisória fique borrada e seja, às vezes, ultrapassada. Vários designers clamam que suas criações são obras artísticas (e por isso valem os preços astronômicos que cobram). Mas para um ganhar esse peso, não basta ser bonito. Ele deve romper fronteiras.
Quando os artistas do movimento Bauhaus começaram a projetar móveis, eles não pensavam em vender mais cadeiras. Eles queriam subverter o conceito de cadeira existente, e apresentar algo novo, alinhado com os valores estéticos nos quais acreditavam. E ainda queriam que fossem móveis confortáveis. Mies Van der Rohe, um dos expoentes do movimento, criava mobílias porque não existiam poltronas e cadeiras que combinassem – em estilo e conceito – com as casas modernistas que ele projetava.
E no Brasil? Há muitos artistas de vanguarda em nosso país. Em 2022, a Semana de Arte Moderna comemorará 100 anos, e este último século tem visto diversos inovadores de objetos cotidianos. Para ficar nas poltronas, temos a Chifruda de Sérgio Rodrigues, ou a poltrona Teddy, dos irmãos Campana, feita de bichinhos de pelúcia. Zanine Caldas criou as cadeiras Denúncia, feitas de madeira, e que alertavam para o desmatamento na Bahia (ativismo é arte!). Até Oscar Niemeyer se aventurou nos objetos, entre uma Brasilia e outra.
No fim do dia, a arte pode estar ao seu redor. Ainda que você não note. Mais ainda, você pode ser o agente artístico que transubstancia um objeto prosaico em uma poderosa mensagem estética. Em um mundo de commodities visuais, sua transgressão será muito bem-vinda.
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