Publicado em: 8 dez 2015

Tragédia de Mariana: ‘bagunça jurídica’ ameaça indenizações

Vista da devastação provocada pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana (MG)

Responsável pela barragem de rejeitos de minério que se rompeu na cidade mineira de Mariana, devastando distritos e rios da região, a mineradora Samarco é agora alvo de ações que ultrapassam os 20,5 bilhões de reais. Os processos visam garantir a indenização às famílias afetadas e recuperar as cidades e ecossistemas atingidos. Mas essa enxurrada de ações pode justamente ter o efeito contrário ao pretendido. Especialistas ouvidos pelo site de VEJA alertam para o fato de que a “bagunça processual” resultante da quantidade de pleitos contra a Samarco pode fazer com que o dinheiro nunca chegue às famílias.

Uma situação ilustra o caso: em 11 de novembro o juiz Frederico Esteves Duarte Gonçalves, da Comarca de Mariana, determinou o bloqueio de 300 milhões das contas da Samarco. A empresa recorreu, alegando que já havia assinado um termo com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais no qual se comprometia a desembolsar 1 bilhão de reais, mas o juiz não acatou ao pedido. Como a quantia pretendida não foi encontrada, o juiz bloqueou as dez contas que a empresa mantém no Brasil – e afirmou que a Samarco age como um ‘botequim de esquina’. A mineradora, por fim, resolveu depositar 500 milhões de reais em duas contas no dia 30 de novembro e todo esse montante acabou bloqueado. O magistrado teve, então, de autorizar a empresa a movimentar 208 milhões de reais para pagar o salário dos funcionários.

Enquanto isso, as famílias de Bento Rodrigues, distrito totalmente destruído pela lama, só receberam o primeiro auxílio financeiro na última terça-feira, quase um mês depois do incidente. E não se trata de indenização, apenas de uma ajuda de custo – um salário mínimo por família, mais 20% do mínimo por dependente e uma cesta básica. Além disso, mesmo com os 300 milhões de reais bloqueados, 241 famílias de Bento continuam abrigadas em hotéis, sem saber o que será do futuro. Cinquenta e três foram alocadas em casas alugadas pela Samarco. “A profusão de ações deflagra uma situação de insegurança jurídica. Do jeito que está, a empresa vai declarar insolvência e, no fim, não vai pagar nada”, afirma o presidente da comissão de Direito Ambiental da OAB-MG, Mario Werneck, que tem acompanhado de perto o drama dos desabrigados em Mariana. “Abrir ação é fácil, mas será que todas elas terão êxito?”, questiona. Werneck conta que presenciou “diversos advogados distribuindo cartões para a população de Mariana” e que centenas de ações devem ser protocoladas nas próximas semanas por empresas, fazendeiros e sindicatos. “Ouvi isso de vários advogados”, disse.

Um termo de ajustamento de conduta (TAC) deve ser apresentado no dia 9 de dezembro pela Promotoria de Mariana à mineradora para acertar os valores da ação indenizatória, segundo o promotor da cidade, Guilherme de Sá Meneghin. “Os 300 milhões foram pegos como garantia”, diz. O procedimento para se chegar à quantia total de ressarcimento não é um caminho simples. Em termos práticos, os afetados devem colocar no papel tudo o que perderam, incluindo bens imateriais, e entregar a lista a advogados que calculam um valor aproximado das perdas – inclusive, os danos morais. “Imagina onde essas pessoas vão passar o Natal. Imaginemos como deve ser vestir todo dia uma roupa que não é sua, comer um prato de comida que você não fez, não ter onde colocar a cadeira fora de casa – pois era isso que eles faziam em Bento”, diz Werneck. Segundo ele, é preciso estabelecer critérios, prioridades e medidas céleres para fazer com que a empresa custeie as carências mais imediatas dos atingidos.

Além do bloqueio de 300 milhões de reais, a companhia é alvo de uma ação movida na Justiça de Brasília pelo governo federal e pelos Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Se o pedido for acatado, a Samarco terá que desembolsar 20 bilhões de reais, junto com a Vale e a BHP (acionistas da empresa), a um fundo privado. Já a Justiça estadual de Minas determinou que a empresa deposite 1 bilhão de reais em juízo em ação movida pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF), pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e pela Fundação Estadual de Meio Ambiente (Feam). Outro 1 bilhão de reais foi acertado mediante um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Estadual de Minas Gerais. Todos esses processos têm o mesmo objetivo: cobrar da empresa a reparação pelos danos ambientais decorrentes da tragédia.

Um dos autores desse último processo, o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto, coordenador do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do MPE-MG, destaca que é preciso evitar a judicialização das ações – por isso, a ideia do TAC. “Quando você leva a discussão para a Justiça já se sabe que vai levar anos. Eu vejo com preocupação essa pulverização de processos. É como se houvesse uma corrida para ver quem vai pedir a primeira indenização”, afirmou. Segundo o acordo, a própria Samarco deve guardar 1 bilhão de reais e destiná-lo integralmente à recuperação do Rio Doce. O trabalho da promotoria é averiguar se a empresa está cumprindo com os termos acordados, sem a intervenção da Justiça. “No caso de bloqueios judiciais, por exemplo, qualquer plano que seja proposto às famílias deverá ter a autorização da Justiça antes de ser implementado”, disse. Quinhentos milhões de reais foram depositados na última semana e o restante deve ser disponibilizado até o dia 27 de dezembro.

A produção desenfreada de ações ainda acaba resultando em conflito entre os processos, como no Espírito Santo. Antes que a lama de rejeitos atingisse o mar, o tribunal estadual determinou que a Samarco abrisse a foz do Doce para que a lama alcançasse o oceano, enquanto uma decisão da Justiça Federal exigia que a mineradora barrasse a chegada dos resíduos ao ecossistema marítimo.

O procurador-geral do Espírito, Rodrigo Rabello Vieira, é um dos signatários de uma das ações mais caras contra a Samarco, ao lado do procurador-geral federal Renato Rodrigues vieira, do procurador-geral da União Paulo Henrique Kuhn, e do advogado-geral de Minas Onofre Alves Batista Junior. Vieira reconhece que a medida é para “o longo prazo”. Pelo texto, a Samarco, a Vale e a BHP são intimadas a depositar 2 bilhões de reais anualmente num período de 10 anos para investir em projetos de revitalização do rio. “Esse processo visa justamente não fazer uma sobreposição de ações”, disse o procurador.

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), já manifestou preocupação com a pulverização das medidas e disse que vai atuar para que os municípios afetados embarquem numa mesma ação, a que foi ajuizada pelo governo federal. “Nós vamos tentar confluir tudo para uma única ação e isso vai facilitar demais e dar velocidade ao processo judicial”, disse.

Ambiente – Todo o dinheiro que está sendo exigido da Samarco pode não ser usado em sua totalidade para reverter os danos ambientais. Uma das primeiras sanções aplicadas a empresa foi feita pelo Ibama, com cinco multas que totalizavam 250 milhões de reais. Apesar de ser a maior punição aplicada pelo instituto, o valor foi considerado irrisório pelos ambientalistas. O maior problema, no entanto, é se essas sanções vão ser efetivamente pagas. Entre 2011 a 2014, apenas 9% das quantias cobradas em multas ambientais pelo Ibama foram arrecadadas. Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que o órgão tem 6,1 bilhões de reais a receber de devedores. E quando esse dinheiro cai no caixa, parte dele é usado para custear despesas corriqueiras do instituto, como IPVA e IPTU. Segundo o Contas Abertas, os montantes oriundos de multa já serviram até para pagar a compra de um bebedouro e de alimentos, como café e açúcar.

Em entrevista ao site de VEJA, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB), já havia dito que a sua maior preocupação era que o dinheiro levantado para cobrir os prejuízos do desastre fosse usado para aliviar o caixa dos governos, que passam por um período de crise econômica. “Qualquer coisa que se faça agora é precipitado. Ficar aplicando multa é um problema, porque ela cai na estrutura fiscal dos entes federados”, disse ele. Enquanto as sanções são protocoladas na Justiça e a empresa lança mão dos recursos, as autoridades ainda tentam encontrar um plano concreto para revitalizar o Rio Doce.

Com Veja 



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