“Transar com alguém nunca passa pela minha cabeça”: conheça os jovens que escolheram viver sem sexo por opção
Em 2013, a JFPA divulgou um levantamento em que 45% das mulheres afirmavam “não estar interessadas ou não gostar de contatos sexuais”. Na mesma faixa etária, 25% dos homens garantiu se sentir igual. Para piorar, a pesquisa concluiu que 40% dos casamentos japoneses são “assexuados” – ou seja, o casal não faz sexo, mesmo morando junto.
Por que toda essa geração que está, em teoria, no auge da vida sexual não tem interesse no assunto? O âmago da questão parecem ser as diferentes direções que as vidas de mulheres e homens tomaram. Nas últimas duas décadas, as japonesas tornaram-se mais independentes e focadas na carreira. Ao mesmo tempo, a economia estagnou e a cultura do trabalhador engravatado que sustenta a casa perdeu força. Fora do papel de provedor, muitos homens tornaram-se menos ambiciosos no trabalho e mais passivos no amor, dizem os especialistas.
“A expectativa em relação ao outro não se adaptou aos novos tempos. Muitos ainda querem mulheres submissas e elas não sentem atração por homens sem ambição. Ficou difícil para eles se conectarem romanticamente”, diz Kitamura.
Nascida em Tóquio, Eri Asada desistiu do sexo há três anos, depois de um namoro com um colega de faculdade. “Quando terminamos, percebi que passei aquele tempo todo pensando nas necessidades dele. Era o que ele esperava”, diz ela. Garante estar mais feliz agora, solteira, e não pretende fazer sexo nem casualmente. “Na prática, garotas não podem transar só por diversão sem serem julgadas”, afirma.
Mas não são só as mulheres que estão confusas nessa área. Na movimentada Harajuku, rua fashionista de Tóquio, o estudante Kensuke Todo, 20 anos, diz que namorar é muito complicado. “As garotas ou te rejeitam ou querem um relacionamento sério”, afirma. “Prefiro gastar dinheiro com roupas do que pagar jantares e presentes”, acrescenta ele, vestido com calças Paul Smith e uma camisa Comme des Garçons. Para se excitar, muitos de seus amigos preferem quadrinhos eróticos e namoradas virtuais às reais. “É bem comum”, diz, ruborescendo.
Tomomi Yamaguchi, professor de antropologia na Universidade Estadual Montana, afirma que as atitudes ultrapassadas em relação às mulheres são a principal causa do fenômeno. “O país deve parar de tratá-las como objetos sexuais ou máquinas de fazer bebês.” Uma melhor educação sexual, medidas que permitissem às mulheres combinar carreira e família e menos pressão econômica sobre os homens também ajudariam.
CARREIRA OU FILHOS
As japonesas têm adiado casamento e maternidade porque é muito difícil combinar os dois com uma carreira. Eri Tomita, 31 anos, adora seu emprego em um banco francês. Fluente no idioma, lutou para se estabelecer numa carreira no disputado mercado de trabalho e não tem intenção de largá-la. “Meu emprego é parte da minha identidade agora. Gosto de ter responsabilidades e ser independente financeiramente.”
Magra, bonita e com os cabelos longos, decidiu não se envolver com ninguém para focar na carreira. Vive sozinha e sai com as amigas para se divertir. “Muitas trabalham como eu. Gostamos de ir a restaurantes e fazer jantares caros regados a vinho.” São as chamados jashi-kai, ou “festas de garotas”, que se tornaram populares e lucrativas na capital. Nelas, há muitas semelhanças com cenas do seriado “Sex and The City” – sucesso no Japão até hoje –, com uma exceção: “Nunca falamos de sexo”, diz Tomita.
O motivo é que, também em sua faixa etária, ir para a cama com alguém não é fácil. “Quem me chama para sair são homens mais velhos que querem ter um caso. Eles pensam que, por ser solteira, estou desesperada”, suspira ela. Os homens da mesma idade se sentem intimidados.
O abismo entre mulheres contemporâneas como ela e estruturas tradicionais é grande. No mundo corporativo, a discriminação é explícita assim que uma mulher se casa. “As chances de ser promovida caem a zero porque o chefe conclui que você vai engravidar e sair. Já vi acontecer muitas vezes”, conta Eri Tomita. E, quando uma funcionária de fato vira mãe, é impossível seguir trabalhando. “Os horários são inflexíveis, o que as leva a pedir demissão e virar donas de casa. Essa não é uma opção para mulheres modernas como eu.”
HOMENS APÁTICOS
Os homens também se sentem sobrecarregados pelas noções antiquadas de gênero. E a situação criou uma geração de solteiros sexualmente apáticos. Eles têm um nome: soushoku danshi, ou “homens herbívoros”. O estilista Satoru Kishino, 31, é um desses. Ele se define como “um homem hétero para quem sexo e relacionamentos não são uma prioridade”. “Não tenho interesse em ter uma namorada ou casar”, afirma. “Gosto de cozinhar, andar de bicicleta e assistir a peças de comédia.”
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Bonito e simpático, tem muitas amigas mulheres. “Acho algumas delas atraentes, mas namorar é problemático.” Ele aprendeu a viver sem sexo. “Não é que não goste, mas é preciso fazer malabarismos para levar uma garota para a cama.”
Nem todos desistiram do romance. Numa tarde ensolarada no bairro de Aoyama, 300 solteiros participaram de um evento de encontros arranjados. A farmacêutica Masumi Sasaki, 34, veio com uma amiga “para ver como é”, mas logo vai embora. Mais tarde, explica que está acostumada a ser solteira e viver sem sexo. “Entrei em pânico perto dos 30 e tentei encontrar alguém para casar. Mas não aconteceu, então parei de pensar no assunto.”
Não demora muito para que a farmacêutica confesse que o verdadeiro amor da sua vida não é um ser humano, mas uma coelha de 8 anos chamada Nichi. “Nos fins de semana, levo Nichi a um rabbit cafe [cafés onde os donos podem ir com seus coelhos], onde ela pode brincar com outros animais”, diz.
O número de bichos de estimação no país ultrapassa os 22 milhões e a indústria dedicada a eles movimenta US$ 12 bilhões por ano. Sasaki diz gostar tanto de coelhos que fica difícil para um homem competir com eles. “Conheci um cara numa convenção de coelhos, que me adicionou no Facebook. Só me lembrei dele quando postou uma foto do seu coelho.”
Mas será mesmo o fim da linha para as relações sexuais no Japão? Talvez não. Um dos homens presentes no mesmo evento que Sasaki concorda que as ideias ultrapassadas são a raiz do problema. “Garotas independentes e com carreira são muito mais atraentes”, diz o engenheiro Shinsuke Yasuda. “Não quero alguém subserviente.”
Muitos jovens japoneses também pensam assim, mas a sociedade ainda precisa se atualizar para que relações igualitárias sejam possíveis, acredita Shinsuke. “Ao menos alguns de nós estamos tentando”, acrescenta, antes de desaparecer na escuridão para coletar mais números de telefone. Talvez haja esperança.
Portal do Litoral PB
Com Globo.com
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