Publicado em: 17 ago 2014

Defensores Públicos da Paraíba tem uma das piores remunerações do pais

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Os defensores públicos dos estados da Paraíba, Pernambuco e Espírito Santo têm as piores remunerações do país. A afirmação é da presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos, Patrícia Ketterman, que apoia a luta pela paridade remuneratória com os juízes e promotores de justiça, sobretudo após a promulgação da EC 80/14, que igualou constitucionalmente as três Instituições.

De passagem por João Pessoa (PB), ela me concedeu a entrevista abaixo, feita especialmente para o Jornal Correio da Paraíba, onde aborda este e outros temas, a exemplo da votação pela AL do PL que fixa os subsídios da categoria na PB, Reforma do Judiciário,  internação compulsória de dependentes químicos e prejuízos aos defensores públicos quando da aposentadoria.

Confira a entrevista, na íntegra:

– A  Anadep é favorável à internação compulsória de dependentes químicos ?

– A Anadep é favorável à garantia dos Direitos Humanos de todas as pessoas em todas as situações. No caso dos dependentes químicos, não se trata de ser contrário ou favorável. A complexidade desta terrível e sofrida doença exige análise casuística aprofundada, sempre na busca pelo melhor encaminhamento. O que se pode afirmar é que estamos diante de um quadro de exagero no número de internações compulsórias, que muitas vezes servem apenas para segregar, afastar do convívio social aquela pessoa que, na verdade, precisa de cuidados médicos. Somos favoráveis ao tratamento adequado da dependência química, jamais à segregação dos doentes nos mesmos moldes do que se fazia há alguns anos com as pessoas com outros sofrimentos psíquicos.

– Como a Anadep vê a suspensão pela Assembleia Legislativa da PB da votação do projeto que fixa os subsídios dos Defensores Públicos, por conta do período eleitoral ?

– Estamos acompanhando muito de perto a situaçao remuneratória da Paraíba, que é uma das piores do País. Não há nenhum impeditivo para que essa matéria não seja votada e nós esperamos que isso ocorra o quanto antes, respeitadas a autonomia e condições orçamentárias da Instituição. Só para exemplificar, recentemente em Fortaleza foi aprovada uma lei muito semelhante a que está sendo discutida na Paraíba. A própria presidente Dilma Roussef acabou de encaminhar uma legislação ao Congresso Nacional, buscando um aumento de salários para os policiais federais.

– Por que o CNJ nega à Defensoria Pública assento junto ao MP nos Tribunais ?

– O CNJ não nega assento à Defensoria. Houve um pedido de providências oriundo de Vitória, no Espírito Santo, que solicitava o cumprimento do artigo 4º parágrafo 6º da LC 80/94, que diz que “aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público”. Este dispositivo legal visa, principalmente, à garantia de direitos dos réus, que, ao sentarem em plano inferior ao do Ministério Público, já são vistos pelos jurados, no Tribunal do Júri, como previamente “culpados” – o que viola seus direitos constitucionais de ampla defesa e de ser presumido inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

O que o CNJ fez no Pedido de Providências foi dizer que a questão não importava repercussão coletiva para o Poder Judiciário e arquivou o procedimento sem analisar se a legislação que rege a Defensoria Pública deveria ou não ser cumprida em Vitória.

Como não se trata de apenas um “bom conselho”, mas sim de uma lei que, portanto, deve ser cumprida, muitos juízes, pelo Brasil afora, cientes desta obrigatoriedade, mas sobretudo preocupados com os direitos constitucionais das pessoas em situação de litígio cível ou criminal, têm determinado o seu cumprimento com a alocação dos defensores públicos no mesmo plano dos promotores de justiça (o que aliás, sequer deveria surpreender a quaisquer operadores do direito, dada sua natureza garantista).

– Quais pontos a Instituição defende na Reforma do Judiciário, onde aliás, tem uma Defensora como Secretária ?

O ponto primordial é que a Defensoria Pública brasileira seja vista e respeitada pelo Poder Executivo e pelos demais atores do próprio Sistema de Justiça como a Instituição de Estado independente e autônoma que é, composta por agentes políticos com funções institucionais fundamentais para garantir direitos para as pessoas em situação de vulnerabilidade sob um ponto de vista emancipatório.

Desde a sua criação, em 1988, até os dias atuais, a Defensoria Pública cresceu muito e vem se consolidando como uma Instituição ímpar, sendo hoje considerada expressão e instrumento do regime democrático e a quem incumbe a ampla e intransigente defesa dos direitos humanos.

A Secretaria de reforma do Judiciário tem atuado como importante mediador entre as demandas da ANADEP com o Governo Federal (inclusive no que diz respeito a questões orçamentárias, que dependem de leis federais para serem regulamentadas em prol da Defensoria) e demais Instituições  do Sistema.

– Em nível nacional, de que forma a DP tem contribuído com melhores práticas para o Judiciário ?

– A Defensoria Pública contribui para o desafogamento do Judiciário por ter como funções institucionais precípuas a solução extrajudicial de conflitos e a educação em direitos. Pode-se dizer que também contribui com o Judiciário na exata medida em que ambos têm o mesmo objetivo: garantir direitos.

No entanto, mais do que contribuir com o Poder Judiciário, ela contribui efetivamente com os usuários dos seus serviços, já que garante o “direito a ter direitos”, razão pela qual é considerada em si mesma verdadeiro Direito Humano, por possibilitar acesso à Justiça – que é algo muito maior do que o simples acesso ao Poder Judiciário – principalmente àquelas pessoas multivulneraveis que, segundo dados do IBGE, representam aproximadamente 82% da população brasileira.

– A Emenda Constitucional 80 é exequível no prazo em que foi aprovada ?

– Sem sombra de dúvidas. A maioria dos estados começa a avaliar os números que envolvem a universalização dos serviços em todas as Comarcas e a percepção inicial é justamente a de que, dividindo-se o número de defensores públicos necessários pelos anos, os valores são perfeitamente possíveis e, mais do que isto, a existência de defensores em todas as Comarcas representará economia em função desta fundamental atuação extrajudicial (que resolve conflitos de forma célere, sem necessitar ingressar na Justiça) e do fato de que manter a Instituição tem um custo consideravelmente menor do que o pagamento a advogados dativos (algo que o Supremo Tribunal Federal já decidiu ser inconstitucional, inclusive porque a Defensoria tem um instrumental jurídico diferenciado a ser oferecido aos destinatários dos seus serviços e que os advogados privados não têm).

– Quais os estados onde o déficit de profissionais é mais gritante ?

– O déficit é maior nos estados que instalaram a Defensoria por último. De acordo com dados do Portal do Atlas do Acesso à Justiça no Brasil do Ministério da Justiça, Norte e Nordeste são as regiões com as maiores dificuldades de acesso ao sistema judicial. Em uma escala que parte de zero e que não tem um número máximo, o Amazonas é o estado nortista que tem acessos críticos aos serviços da Defensoria Pública, com 1,17 defensor público para cada 100 mil habitantes. Já Rio Grande do Norte – com 1,23 – é o pior estado na escala do Nordeste, seguido de Bahia (1,48) e do Maranhão (1,67).

Outro ponto importante é que os últimos estados a criar a Defensoria Pública – Goiás, Paraná e Santa Catarina – possuem os piores índices de acesso à Instituição. O Paraná está com 0,79 e Santa Catarina – que tem atualmente 60 defensores no quadro – aparece com 0,94. Já Goiás, que ainda não concluiu o  primeiro concurso público para defensor , tem o pior número da tabela, com apenas 0,1. Em contrapartida, os índices dos demais operadores do direito no estado são altos: promotores (5,97); advogados (345,8) e juízes (8,9).

– Apesar de ser igualmente essencial à função jurisdicional do Estado, Defensores Públicos percebem 1/3 do que é pago à magistratura e MP….

– Esta é, infelizmente, a realidade de alguns estados da federação, como a Paraíba, por exemplo, que junto com Pernambuco e Espírito Santo têm as piores remunerações do país. Nos demais, os que ainda não atingiram a paridade remuneratória com os juízes e promotores de justiça, estão em francos processos de valorização remuneratória, ainda mais após a promulgação da EC 80/14, que efetivamente igualou constitucionalmente as três Instituições, determinando a aplicação do art. 93 da CF aos defensores públicos, bem como garantindo iniciativa e lei.

– Há alguma proposta de mudança na legislação em relação à categoria, quando da aposentadoria ?

– Há uma PEC tramitando (PEC 170/12) que confere proventos integrais aos servidores aposentados por invalidez. Existe também a PEC 555/06, que acaba com a cobrança de contribuição previdenciária que hoje é feita aos inativos.

A remuneração através de subsídio (parcela única) é um exitosa forma de impedir esta disparidade que pode ocorrer quando da aposentadoria, já que não permite a percepção de adicionais.

– Qual a área de maior demanda da Defensoria Pública em todo o país ?

– Direito de família é seguramente a área em que as defensoras e defensores públicos mais atuam. Outras áreas começam a crescer, como por exemplo a busca por soluções extrajudiciais do conflitos. As pessoas já identificaram que procurar a Defensoria para resolver amigavelmente seus problemas jurídicos é mais rápido e mais efetivo, razão pela qual esta é uma demanda que tem crescido muito (mas que depende da universalização dos serviços em todas as comarcas para que realmente possa ser concretizada no moldes que exige e permite a nossa LONDP). A área da saúde também apresenta procura considerável.

– A Reforma do Código de Processo Civil, que deve ser votada neste segundo semestre, corresponde à expectativa da categoria ?

– A Anadep realizou um forte trabalho durante as discussões do projeto e conseguiu alterar importantes pontos, sempre com o objetivo de ampliar as garantias de direitos os usuários dos seus serviços. Se não conseguimos implantar tudo o que originalmente desejávamos, podemos afirmar que o novo CPC representará uma evolução no trato conferido à Defensoria Pública no curso do processo, o que, por consequência lógica, garantirá mais direitos aos usuários dos seus serviços.

– Nesse contexto, qual sua opinião sobre a proposta de o Oficial de Justiça atuar como conciliador ?

– Os defensores públicos sempre são favoráveis a todas as formas amigáveis de solução de conflitos. No entanto, a experiência demonstra que conciliar partes em litígio não pode ser considerado algo tão simples, que possa ser realizado em poucos minutos, em qualquer local – ainda mais quando já há uma ação judicial proposta (que sempre piora o conflito e gera ainda mais pontos de atrito).

Conciliar para garantir direitos é algo técnico, que exige capacitação própria. Quem atua na área jurídica ou mesmo as partes em um processo judicial, sabe que algumas vezes o que deveria ser uma conciliação se transforma em verdadeira imposição, aceita por uma das partes por receio ou até por desconhecimento dos seus direitos.

O objetivo da conciliação deve sempre ser o de aproximar as partes para que elas possam alcançar uma solução  satisfatória para ambas. Jamais deve ser o simples fato de encerrar mais um processo judicial. Por todas estas razões, aqui também não se trata de sermos contrários ou favoráveis a uma “forma” determinada. A questão é de fundo: somos favoráveis à conciliação desde que seja efetivamente uma conciliação.

– Como quebrar o estigma de que a Defensoria Pública é o “primo pobre” do Judiciário ?

– A ideia é justamente fazer com que as pessoas compreendam a formação jurídica da Defensoria Pública, pois o desenho constitucional da Instituição não permite que ela seja tratada dessa forma. Precisamos evoluir nesse sentido, sobretudo do ponto de vista cultural. Os outros operadores do Direito e mesmo os nossos políticos precisam ficar mais atentos ao que é a Defensoria Pública em nosso país, bem como que ela se faça respeitar nos seus estados, pois se trata de um Órgão autônomo, independente, que não é subordinado a nenhum governo, de modo que aos demais Poderes incumbe respeitar essa autonomia institucional.

Notorium Juridico




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