Publicado em: 28 abr 2014

Paraibanos recorrem à Justiça por assistência à saúde

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A saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme previsto na Constituição Federal, mas para ter essa garantia assegurada, muitas vezes a população precisa recorrer à Justiça. O problema crônico da saúde no país e na Paraíba, por consequência, se reflete no aumento das ações judiciais que obrigam o poder público a custear medicamentos e cirurgias para cidadãos doentes.

Atualmente, segundo o Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB), estão em tramitação 2.073 processos referentes à assistência à saúde. A maioria (1.791) é para pedido de medicamentos; seguido de fornecimento de tratamento médico-hospitalar (159); e fornecimento de alimentação (123), que inclui os leites especiais, por exemplo. Mas quem não tem esclarecimento para buscar esse apoio, acaba sendo penalizado com o descaso e o agravamento da enfermidade.

Os casos são muitos, segundo a promotora da Saúde Maria das Graças Azevedo. Diariamente ela disse que recebe pessoas reclamando da assistência à saúde, sem precisar a quantidade.

“As necessidades são as mais variáveis possíveis, vão desde remédios para tratamento de câncer a cirurgias pediátricas, sendo a maioria para bebês cardiopatas”, declarou a promotora.

No entanto, segundo ela, boa parte da demanda que chega à promotoria se resolve sem a necessidade de uma ação judicial.

Porém, quando o Ministério Público não obtém sucesso com a secretaria – seja municipal ou estadual – a ação judicial se torna indispensável, pois é a única forma de garantir a assistência ao paciente. “Só ingresso com a ação quando todos os outros meios são realizados sem sucesso”, afirma. A média é de duas ou três ações por mês, conforme Maria das Graças.

A promotora afirmou que esse caminho ainda é desconhecido por parte da população, mas que o trabalho da imprensa tem ajudado no esclarecimento. “Infelizmente ainda há pessoas que não sabem que podem buscar na Justiça o remédio que precisa ou a cirurgia que necessita”, destacou. Segundo ela, enquanto algumas pessoas procuram o órgão em busca de informação, outras já chegam com a documentação completa. “A situação é tão crítica que os próprios servidores das secretarias orientam os usuários a procurarem o MP”, explicou.

Ainda de acordo com Maria das Graças, a demanda é maior pela dispensação da média e alta complexidade. Com frequência, ela recebe pais que lutam por cirurgias de seus filhos, ainda bebês. “Geralmente são crianças com problemas cardíacos que são encaminhadas para Recife, onde as cirurgias são realizadas através de convênios”, esclareceu. Também são recorrentes casos envolvendo os hospitais Arlinda Marques (infantil), Napoleão Laureano (referência no tratamento de câncer) e o São Vicente de Paulo.

A promotora disse que avalia com muita tristeza o aumento da demanda judicial por assistência à saúde na Paraíba. “É algo para lamentar porque as pessoas geralmente já estão debilitadas e os casos são de urgência, são para ontem. Ter que procurar a Justiça para receber o medicamento ou fazer uma cirurgia é algo muito desgastante, mas infelizmente tem que ser através de uma ação judicial”, afirmou.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba (OAB-PB), Odon Bezerra, disse que considera uma lástima o Estado ainda não ter o aparato adequado para atender ao cidadão, principalmente quando ele enfrenta alguma patologia. “O direito à saúde é constitucional, é obrigação do Estado, mas na prática o que se vê é que novas drogas são descobertas, mas não estão referenciadas pelo SUS”, declarou.

Por conta da falta de referenciação, segundo Odon Bezerra, os secretários que respondem pela pasta da Saúde temem fazer a compra e mais tarde sofrerem sanções nos tribunais de conta. “Mas é necessário que se priorize a vida, a vida do cidadão tem que estar acima de qualquer outro direito. E prova disso é que o Judiciário vem atendendo de imediato essas questões”, afirmou o presidente da OAB-PB.

USUÁRIOS RECLAMAM DO CEDMEX

A dona de casa Isaura da Silva Santos procurou o Ministério Público para garantir que a irmã, que recentemente recebeu o diagnóstico de câncer de laringe, recebesse os medicamentos solicitados pelo médico. A primeira iniciativa foi procurar o Centro Especializado de Dispensação de Medicamentos Excepcionais (Cedmex), no bairro de Jaguaribe, mas os remédios só foram entregues depois de muito estresse e da dona de casa procurar o Ministério Público.

Sem condições financeiras de comprar os medicamentos, a irmã de Isaura, já internada, começou a sofrer com a carência da medicação. Foi quando Isaura foi até o MP. “Por três meses eu tentei pegar os remédios aqui no Cedmex, mas a resposta que me davam era que estava em falta. Isso cansa, ninguém está pedindo favor, pagamos nossos impostos”, comentou. “Ainda bem que existe o MP, porque se assim não fosse, não sei se minha irmã ainda estaria viva”, completou.

A saga de quem precisa ir várias vezes ao Cedmex pegar o remédio do qual necessita é realmente desgastante. A auxiliar de confeitaria Edileuza Alfredo Ramos sabe bem o que isso representa. Ela precisa tomar insulina lantus, para o tratamento do diabetes. Para seguir a prescrição médica, ela deveria tomar o medicamento quatro vezes ao dia, mas nem sempre isso é possível, pois a falta da insulina é problema recorrente.

Sem saber que pode recorrer ao Ministério Público para garantir seu direito, Edileuza sai chorando do centro, porque sabe das consequências de não tomar o remédio. “Não sabia que o MP pode me ajudar nesse caso. Vou procurar ajuda porque a falta é constante”, afirmou. A saúde de Edileuza ficou mais fragilizada depois que o filho mais velho foi morto a tiros perto de sua casa, no bairro do Funcionários III, na capital, no mês de março.

Quando procurou o médico, ele receitou mais um medicamento, e Edileuza voltou a procurar o Cedmex.

“É muita humilhação. A pessoa já está doente e acaba ficando pior. Não tenho condições de comprar os remédios, tenho que recorrer ao SUS, que infelizmente não atende minha necessidade”, frisou. O controle do diabetes tem de ser feito diariamente, e no caso de Edileuza tem o agravante de que ela precisa fazer uma cirurgia (esterectomia), mas para isso os índices da glicose devem estar equilibrados.

No dia que foi ao Cedmex, a reportagem também encontrou Ana Maria Felipe, dona de casa que tem deficiência de plaquetas e por anos tomou determinado medicamento, o qual foi trocado por outro lançado recentemente pela indústria farmacêutica. Em meados de março deste ano ela deu entrada no Cedmex para recebê-lo, mas até o dia 16 de abril ela continuava sem o remédio. “O que alegam é que não tem, e eu volto para casa de mãos abanando. Enquanto isso a doença se agrava”, desabafou. Ela disse que pretende procurar a Justiça caso não receba o medicamento até o final deste mês.

SECRETARIA CRITICA OS LABORATÓRIOS

Para alguns gestores públicos, laboratórios se utilizam da judicialização para garantir a entrada no mercado ou o aumento de vendas de seus produtos. É o que sustenta, por exemplo, a Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS), ao dizer que, em números redondos, o Sistema Único de Saúde (SUS) é responsável por mais da metade das aquisições de medicamentos e outros produtos de saúde no país.

Em nota, a secretaria disse que a maioria das demandas se refere a medicamentos, insumos, exames e procedimentos cirúrgicos, onde na maioria das vezes, o SUS oferece alternativa de igual resultado. “Mas, através da judicialização, se quebra as políticas de assistência do sistema, às vezes transformando em prioridade uma necessidade particular, em detrimento dos interesses da coletividade”, afirmou a secretaria.

Com o objetivo de amenizar esse possível problema e distinguir o que é legítimo interesse do cidadão de jogadas mercadológicas da indústria farmacêutica, segundo a secretaria, foi criada a Câmara Técnica do Judiciário. O serviço foi lançado através de parceria do TJPB, Ministério Público, Defensoria Pública e da SES.

De acordo com a assessoria de imprensa da secretaria, a Câmara vem reduzindo o número de demandas.

 

Jornal da Paraíba




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