Justiça da PB não pode julgar Marvin por mortes cometidas por Patrick na Espanha
Tese defendida por juristas e publicada em artigo no site Correio Forense afirma que a Justiça da Paraíba não teria competência para julgar o estudante Marvin Henriques Correa pelas mortes ocorridas na Espanha e atribuídas ao jovem Patrick Gouveia.
De acordo com o texto, baseado no inquérito, a troca de mensagens entre os jovens através de um aplicativo de mensagens instantâneas, ocorreu após o assassinato das três primeira vítimas. No entanto, não cabe a Marvin o indiciamento de “partícipe” por “instigação”, pois o Código Penal cita ‘instigar’ quando envolve a indução de alguém a suicidar-se ou ajudá-lo para que o faça.
Confira o texto do Correio Forense na íntegra:
A polícia paraibana concluiu o inquérito indiciando o estudante Marvin Henriques Correa como “partícipe” do crime referente a 4ª vítima, que ceifou a vida de quatro pessoas da mesma família, na Espanha. Segundo o inquérito, a troca de mensagens eletrônica se deu após a morte das três primeiras vítimas.
O delegado disse que o estudante foi indiciado na qualidade de “partícipe” por ter instigado o autor cometer o crime.
O Código Penal só se refere a conduta típica de “instigar” no seu art. 122 quando capítulo de crime “induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça “.
Esse elemento normativo “instigar” não se aplica a condição de partícipe de um homicídio estando o acusado num país e, o resultado crime ocorrer em outro.
As condutas tipificadas no Código Penal são interpretadas de forma restritiva, e não extensiva ou por analogia.
A imputação ao estudante Marvin de “partícipe” de um crime distante a mais de 15 mil/Km, quando o autor confesso (Patrick Gouveia) já tinha consumado o crime de três vítimas, e estava determinado, na espera, da 4ª vítima (Marcos Nogueira), abre o debate para questionar o indiciamento e a competência jurisdicional.
O homicídio é crime de forma livre, instantânea, material, de conduta e resultado. Não há registro de acerto prévio, premeditação, colaboração material, promessa ou paga para a realização do evento sinistro.
A teoria da causalidade adequada (teoria das condições qualificadas) consiste que um determinado evento somente será do produto da ação humana quando esta tiver sido apta e idônea gerar o resultado [1].
O estudante Marvin não produziu ação humana capaz de gerar o resultado morte da quarta vítima.
O resultado da morte da 4ª vítima não dependeu de ato eficaz do acusado; aconteceria de qualquer forma porque o autor do crime já estava à espera da vítima, como está registrado nas conversas no whatsapp.
E poderia se indagar: e Marvin “podia agir” para evitar a morte da 4ª vítima?
O alcance da expressão “podia agir”, leciona NUCCI: significa que o agente, fisicamente impossibilitado de atuar, não responde pelo delito, ainda que tivesse o dever de agir.[2]
Também, merece questionamento, a rotulação de “partícipe” de crime à distância, e sem fator de causalidade determinante para o resultado final. Mais ainda, não se cuida de crime autônomo.
E poderia ser crime autônomo se fosse atribuída a Marvin a conduta do tipo de favorecimento real, na forma tentada, previsto no art. 349 do Código Penal: “Prestar a criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime”.
Com relação a competência jurisdicional, o art. 69 do Código de Processo Penal em seu primeiro inciso dispõe que a regra de fixação de competência será o da consumação da infração, e o art. 70 que a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
O último ato da execução do crime resultou na morte da 4ª vítima foi na Espanha.
Segundo Francesco Carnelutti: “A determinação da competência territorial de primeiro grau funda-se, pois, no lugar em que foi cometido o delito; ele é chamado de local do delito”[3]
Merece destacar que o Código de Processo Penal (CPP) adota em seu artigo 70 a teoria do resultado, segundo a qual a competência será definida pelo local em que se consumar a infração ou, no caso da tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Sob outro viés, colimando a solução do problema atinente ao local consumativo dos crimes, via mídia, imperioso transcrever trecho de acórdão oriundo do TJ-PR no qual restou assentado que: “(…) nos crimes cometidos via internet a jurisprudência já se manifestou no sentido de que o local consumativo é onde são recebidas as mensagens eletrônicas.”[4]
O meio de comunicação entre Marvin (emissor), que estava em João Pessoa (PB) e Patrick(destinatário) que se encontrava na Espanha, foi o whatsapp.
Nesse mesmo alinhamento de entendimento, o STJ assim decidiu:
Terceira Seção: Competência. Extorsão. Mensagens Eletrônicas. As vítimas foram constrangidas mediante mensagens eletrônicas ameaçadoras enviadas pela internet, segundo as quais se pretendia infligir-lhes mal injusto se não providenciassem valores, o que levou as vítimas a ofertar a notícia-crime ao Ministério Público. Assim, não há como entender existir mera tentativa punível, pois o crime se consumou no local em que os ofendidos receberam os e-mails e deles tomaram conhecimento, local em que se fixa a competência, mostrando-se sem influência o de onde foram enviadas as mensagens. CC 40.569-SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 10/3/2004. Informativo n° 192. Período: 17 a 21 de novembro de 2003.
Como se vê, a decisão afirma que a competência é do local onde se consumou o crime, ou seja, adota a teoria do resultado, teoria essa, também utilizada pelo Código de Processo Penal Brasileiro.
O resultado final do crime (4ª vítima) tendo ocorrido no território espanhol, onde tramita ação penal, devidamente instruída com todas as provas e conclusões, que responsabilizam o acusado Patrick, portanto, a ação principal, eventuais demandas dela decorrente, a exemplo das condutas acessórias, como a de suposta participação, deve ser processada e julgada pelas autoridades espanholas.
A materialidade foi demonstrada pelas regras da legislação espanhola, e lá permanecem. Como julgar alguém no Brasil e o processo na Espanha?
Não há como se julgar a ação principal na Espanha e a uma acessória do mesmo fato no Brasil.
E no Brasil seria possível se fosse crime autônomo (favorecimento real) vinculado ao principal.
NULIDADE DOS REGISTROS NO WHATSAPP
Outra questão de relevância processual é a ausência de prévia autorização judicial, como noticiado, para utilização pela Polícia dos registros da conversas no aparelho celular do acusado Marvin, em virtude da posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme julgado abaixo transcrito:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXTRAÇÃO SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL DE DADOS E DE CONVERSAS REGISTRADAS NO WHATSAPP.
Sem prévia autorização judicial, são nulas as provas obtidas pela polícia por meio da extração de dados e de conversas registradas no whatsapp presentes no celular do suposto autor de fato delituoso, ainda que o aparelho tenha sido apreendido no momento da prisão em flagrante. Realmente, a CF prevê como garantias ao cidadão a inviolabilidade da intimidade, do sigilo de correspondência, dados e comunicações telefônicas (art. 5º, X e XII), salvo ordem judicial. No caso das comunicações telefônicas, a Lei n. 9.294/1996 regulamentou o tema. Por sua vez, a Lei n. 9.472/1997, ao dispor sobre a organização dos serviços de telecomunicações, prescreveu: “Art. 3º. O usuário de serviços de telecomunicações tem direito: (…) V – à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas.” Na mesma linha, a Lei n. 12.965/2014, a qual estabelece os princípios, garantias e deveres para o uso da internet no Brasil, elucidou que: “Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial.” No caso, existiu acesso, mesmo sem ordem judicial, aos dados de celular e às conversas de whatsapp. Realmente, essa devassa de dados particulares ocasionou violação à intimidade do agente. Isso porque, embora possível o acesso, era necessária a prévia autorização judicial devidamente motivada. Registre-se, na hipótese, que nas conversas mantidas pelo programa whatsapp – que é forma de comunicação escrita e imediata entre interlocutores – tem-se efetiva interceptação não autorizada de comunicações. A presente situação é similar às conversas mantidas por e-mail, cujo acesso também depende de prévia ordem judicial (HC 315.220-RS, Sexta Turma, DJe 9/10/2015). Atualmente, o celular deixou de ser apenas um instrumento de conversação por voz à longa distância, permitindo, diante do avanço tecnológico, o acesso de múltiplas funções, incluindo a verificação de correspondência eletrônica, de mensagens e de outros aplicativos que possibilitam a comunicação por meio de troca de dados de forma similar à telefonia convencional. Desse modo, sem prévia autorização judicial, é ilícita a devassa de dados e de conversas de whatsapp realizada pela polícia em celular apreendido. (STJ – 6ª Turma – RHC 51.531-RO, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 19/4/2016, DJe 9/5/2016)
[1]NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código Penal Comentado. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.130.
[2] NUCCI, GUILHERME DE SOUZA. Código Penal Comentado. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p.139.
[3] CARNELUTTI, Francesco. Lições sobre o Processo Penal. Vol.II. Campinas: Bookseler, 2004, p.306.
[4] TJPR – 2ª C.Criminal – AC 600960-3 – Maringá – Rel.: José Mauricio Pinto de Almeida – Unânime – J. 10.05.2010.
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