Promotor da Infância que humilhou menor estuprada pelo pai pode ser processado
O promotor de Justiça Theodoro Alexandre da Silva Silveira foi repreendido por desembargadores do Rio Grande do Sul e pode ser processado após humilhar uma garota que, aos 14 anos, foi estuprada pelo pai, que a engravidou. Um exame de sangue no feto comprovou a paternidade decorrente do abuso sexual. Ela teve acesso ao aborto autorizado por lei.
Possivelmente pressionada pela família, ela tentou retirar a denúncia após o pai ser condenado a 27 anos de prisão. Irritado com a mudança de postura da vítima, o promotor que integra a Vara da Infância e da Juventude a atacou durante uma audiência gravada em vídeo. As falas estão nos autos do processo em que o pai tentou reduzir a pena. A juiza que não coibiu a ação do promotor também é investigada.
Segundo reportagem do Zero Hora, Silveira teria dito à menor vítima de estupro: “Pra abrir as pernas e dá o rabo pra um cara tu tem maturidade, tu é autossuficiente, e pra assumir uma criança tu não tem? Tu é uma pessoa de sorte, porque tu é menor de 18, se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora, pra tu ir lá na Fase, pra te estuprarem lá e fazer tudo o que fazem com um menor de idade lá.”
Em outra passagem, ele disse: “Tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa carinha de anjo”, ataca o representante do Ministério Público.”Eu vou me esforçar o máximo pra te pôr na cadeia. Além de matar uma criança, tu é mentirosa? Que papelão, heim? Vou me esforçar pra te ferrar, pode ter certeza disso, eu não sou teu amigo.”
“Pra abrir as pernas e dá o rabo pra um cara tu tem maturidade, tu é autossuficiente, e pra assumir uma criança tu não tem? Tu é uma pessoa de sorte, porque tu é menor de 18, se tu fosse maior de 18 eu ia pedir a tua preventiva agora, pra tu ir lá na Fase, pra te estuprarem lá e fazer tudo o que fazem com um menor de idade lá.”
A fala acima, captada durante uma audiência judicial, é do promotor de Justiça Theodoro Alexandre da Silva Silveira e foi dirigida a uma vítima de abusos sexuais praticados pelo próprio pai durante mais de um ano. A vítima, à época dos abusos, era menor de 14 anos.
A audiência ocorreu durante a instrução do processo que tramitava contra o pai da adolescente, acusado de abusar da menina e de engravidá-la. Quando a gravidez foi descoberta e o caso passou a ser apurado, a vítima contou a autoridades detalhes da violência sexual que sofria do pai e afirmou que a gravidez era decorrente dessas relações forçadas.
Ela então obteve autorização judicial para fazer um aborto. Depois disso, quando ouvida novamente na Justiça, negou o abuso por parte do pai (supostamente pressionada pela família). Foi isso que causou a irritação do promotor na audiência, ocorrida em 2014.
A adolescente estava sendo ouvida como vítima. O processo contra o pai seguiu tramitando e ele foi condenado pela Justiça de Júlio de Castilhos a 27 anos de prisão por estupro. Um exame de DNA no feto comprovou que o bebê era dele. A defesa do pai recorreu da condenação ao Tribunal de Justiça. Ao analisar o recurso, desembargadores da 7ª Câmara Criminal ficaram chocados com o teor da fala do promotor, agente que integra a rede de proteção à Infância e à Juventude.
Dois desembargadores também destacaram a omissão da juíza que conduzia a audiência, Priscila Gomes Palmeiro, por ela não ter interferido na forma como o promotor tratou a vítima. Por conta disso, dois dos desembargadores pediram que a atuação do promotor e da juíza seja apurada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, pela Procuradoria-Geral de Justiça (Ministério Público) e pela Corregedoria-Geral da Justiça (Poder Judiciário).
Além disso, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar propôs: “Transitada em julgado esta decisão, seja encaminhada cópia deste acórdão à vítima e a seu representante legal para que se cientifique que a 7ª Câmara Criminal lamenta profundamente a forma como foi ela recepcionada pelo sistema de Justiça, e que tem ela, se quiser, o direito de postular indenização pecuniária junto ao Promotor de Justiça, uma vez que mais do que falta grave, agiu este com dolo ao lhe impor ilegais constrangimentos.”
A audiência foi gravada em imagem e áudio. No acórdão da 7ª Câmara Criminal, constam outros trechos da fala do promotor.”Tu teve coragem de fazer o pior, matou uma criança, agora fica com essa carinha de anjo”, ataca o representante do Ministério Público.”Eu vou me esforçar o máximo pra te pôr na cadeia. Além de matar uma criança, tu é mentirosa? Que papelão, heim? Vou me esforçar pra te ferrar, pode ter certeza disso, eu não sou teu amigo”, diz outro trecho da manifestação do promotor contra a vítima.
A desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos destacou que relatórios do Conselho Tutelar indicaram que a vítima foi “induzida (pela família) a retratar-se”, ou seja, a negar envolvimento do pai nos abusos. “E isso lhe custou uma inaceitável humilhação em audiência, pois o promotor a tratou como se ela fosse uma criminosa, esquecendo-se que só tinha 14 anos de idade, era vítima de estupro e vivia um drama familiar intenso e estava sozinha em uma audiência. Aliás, a menina necessitava de apoio de quem conhece estes tristes fatos da vida e não de um acusador, pois a função do promotor é de proteção da vítima. O pior de tudo isso é que contou com a anuência da magistrada, a qual permitiu que ele fosse arrogante, grosseiro e ofensivo com uma adolescente. Um verdadeiro absurdo que necessita providências”, escreveu em seu voto a desembargadora.
O julgamento do recurso da defesa do pai da adolescente no TJ ocorreu em 31 de agosto. Ele teve a pena reduzida de 27 para 17 anos e está preso. A apuração sobre a conduta do promotor será feita pela Corregedoria do MP, que abrirá procedimento para ouvir testemunhas e verificar detalhes do caso. Depois, o procedimento será remetido ao procurador-geral de Justiça, Marcelo Dornelles, para que ele analise se há responsabilidade criminal por parte do promotor e da juíza.
Se houver, a apuração criminal ficará subordinada a Dornelles. O procurador-geral não vai se manifestar sobre o caso antes disso. Já a Corregedoria do MP seguirá apurando eventual falta funcional do promotor.
A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça informou que o a Corregedoria da Justiça ainda não recebeu o caso, mas que vai instaurar um expediente que poderá resultar em arquivamento ou abertura de Procedimento Administrativo Disciplinar contra a juíza.
Desembargador diz que vítima de abuso sexual foi injuriada e constrangida por promotor
Especialista em Direitos da Infância e da Juventude, o desembargador da 7ª Câmara Criminal José Antônio Daltoé Cezar, ao votar no acórdão, lembrou de preceitos básicos sobre os cuidados necessários no trato com vítimas menores de idade, especialmente as que sofreram abusos.
Primeiro, Daltoé destacou que o promotor Theodoro Alexandre da Silva Silveira não leu atentamente o processo nem tem “conhecimento algum da dinâmica do abuso sexual, bem como confunde os institutos do direito penal.”
O desembargador disse que o promotor não percebeu que a “vítima tinha uma família disfuncional, com pai abusador e mãe omissa” e que, nesse cenário, era previsível que ela tentasse uma retratação. Daltoé também questiona o fato de o promotor ter chamado a vítima de criminosa por ter matado uma pessoa (ela fez um aborto autorizado pela Justiça).
— O feto humano, embora protegido por institutos de direito civil e penal, ainda não é pessoa, o que somente ocorrerá quando vier a nascer, com vida — escreveu o desembargador.
Como a irritação do promotor era pelo fato de a vítima ter acusado o pai e, depois, ter tentado voltar atrás, Daltoé também destacou que independentemente de quem fosse o responsável pela gravidez, tratava-se de estupro, pois a vítima tinha 13 anos à época. E o aborto, em casos assim, é previsto por lei: “Fosse o pai da vítima quem nela provocou a gravidez, o que efetivamente se confirmou, fosse outro homem, qualquer fosse ele, teria a vítima direito a postular o aborto legal, pois tendo ela engravidado aos treze anos de idade, foi vítima de estupro, na forma estabelecida no artigo 217-A do Código Penal”.
Daltoé, que foi o criador, no Estado, do Projeto Depoimento Sem Dano, para inquirições judiciais de crianças e adolescentes vítimas de violência, também ressaltou no acórdão previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”.
— Na audiência na qual a vítima foi inquirida, quando se viu ela injuriada, caluniada, ameaçada e constrangida, percebe-se claramente que seu direito de falar sobre a experiência não observou, em nenhum momento, o dispositivo legal — escreveu Daltoé em seu voto.
Contrapontos
O que diz o promotor Theodoro Alexandre da Silva Silveira
Por meio da assessoria de imprensa, o promotor informou que não vai se manifestar sobre o assunto neste momento.
O que diz a juíza Priscila Gomes Palmeiro
A assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça informou que a juíza, que atualmente está lotada em São Borja, não quis se manifestar.
Com Zero Hora
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